7. A descrição original

Leia o texto abaixo: 

O esmagamento das gotas 

Eu não sei, olhe, é terrível como chove. Chove o tempo todo, lá fora fechado e cinza, aqui contra a sacada com gotões coalhados e duros que fazem plaf e se esmagam como bofetadas um atrás do outro, que tédio. Agora aparece a gotinha no alto da esquadria da janela, fica tremelicando contra o céu que a esmigalha em mil brilhos apagados, vai crescendo e balouça, já vai cair e não cai, não cai ainda. Está segura com todas as unhas, não quer cair e se vê que ela se agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga, já é uma gotona que pende majestosa e de repente zup, lá vai ela, plaf, desmanchada, nada, uma viscosidade no mármore. Mas há as que se suicidam e logo se entregam, brotam na esquadria e de lá mesmo se jogam, parece-me ver a vibração do salto, suas perninhas desprendendo-se e o grito que as embriaga nesse nada de cair e aniquilar-se. Tristes gotas, redondas inocentes gotas. Adeus gotas. Adeus.
(Júlio Cortázar)

O autor transformou em testemunho descritivo a experiência de observar a chuva e particularizá-la na gota pendente da janela. A descrição inicia com uma impressão tímida e indefinida (“Eu não sei, olhe, é terrível como chove”) que dá lugar a uma dinâmica caracterização que atribui movimento e vida a uma gota de chuva, através de imagens visuais e onomatopéias “plaf”, “zup”, personificando sua resistência e aniquilamento.