O uçá, de patas peludas e avermelhadas é uma das espécies de crustáceo mais procuradas no litoral do país.

De um caranguejo, as partes com mais carne são as patas da frente, terminadas em pinça. O resto do bicho é quase todo descartado. Quando catavam caranguejos, os povos da floresta retiravam-lhes só a pinça. Como qualquer crustáceo, a pata regenera e o bicho não é sacrificado. Assim, nunca faltaria caranguejo no mangue. Os caiçaras caranguejeiros também têm seus princípios que, de forma consciente ou não, atuam a favor da conservação dos crustáceos. Quase sempre desprezam as fêmeas, que são menores e têm pouca carne. Fêmeas ovadas, nem pensar. Quando enterram a mão em uma toca, percebem pelo tato se é fêmea ou macho. 

Antigamente, quando ninguém dependia do caranguejo para sobreviver, os bichos eram capturados só na época da "andada", quando são menos ariscos e saem de suas tocas caminhando vagarosamente, totalmente vulneráveis. O estranho comportamento está ligado à época da reprodução. No litoral baiano, dizia-se que andavam ao atá – o mesmo que andar à toa ou às tontas. Hoje, há populações litorâneas que vivem quase exclusivamente da coleta dos caranguejos. São chamados de "povos da lama". 

Além da atividade ter se intensificado, muitos catadores passaram a coletá-los indiscriminadamente. Não se sabe com exatidão, mas há indícios de que a população de caranguejos está se ressentindo. São duas as espécies encontradas no país que têm interesse econômico, pela abundância e porte avantajado: o caranguejo-uçá e o guaiamu ou guaiamum. 

O primeiro vive no interior do mangue, na parte sob influência das marés; o outro, nas bordas, em locais mais secos, sombreados pelas matas ciliares. No Estado de São Paulo, o guaiamu virou uma espécie rara, devido à pesca excessiva e principalmente pela destruição de seu hábitat. 

Nos mangues do Pará, há informações de que o tamanho médio dos caranguejos está diminuindo ano a ano, dificultando a vida dos catadores. Seria injusto dizer que somente a pesca indiscriminada é responsável pela diminuição dos estoques dos crustáceos. O aterro dos mangues, as indústrias que lançam o esgoto nos rios e o desmatamento contribuem para a quebra da cadeia alimentar, expulsando e eliminando espécies. 

Além da pesca ser cada vez mais intensiva, novas técnicas fazem com que os animais sejam capturados durante todo o ano e sem distinção. A armadilha de ráfia é uma delas. O catador coloca na entrada da toca um emaranhado de fios. Quando o caranguejo sai para se alimentar, acaba se enroscando e fica preso, seja ele jovem, adulto, macho ou fêmea. Outra, bastante cruel, consiste em jogar uma pedra de carbureto dentro da toca. 

Em contato com a água, o material libera um gás que obriga o animal a sair rapidamente, podendo até causar sua morte. Esta técnica deixou de ser usada pois o gás afeta a carne e prejudica o sabor. Alguns catadores pescam à moda indígena, retirando só a pinça. O problema é que o corte deve ser feito na articulação junto à base e, na maioria das vezes, o apêndice é retirado sem nenhum cuidado, danificando estruturas respiratórias ligadas à pinça e causando a morte do bicho. 

O conhecimento científico sobre o caranguejo-uçá e o guaiamu é muito restrito, o que torna difícil estabelecer regras para a captura. Para se ter uma idéia dessa dificuldade, há uma portaria em vigência que estabelece a época de defesa, quando a captura é proibida, que vai de 1º. de setembro a 15 de dezembro, para as regiões Sul e Sudeste. Porém, esse período foi baseado em informações vindas do Nordeste. 

Outra portaria proíbe a pesca de caranguejas ovadas. Pesquisadores do departamento de biologia aplicada da Unesp – Universidade Estadual Paulista de Jaboticabal estão fazendo um grande estudo sobre a biologia do caranguejo-uçá na região de Iguape, no litoral de São Paulo, o "Projeto Uçá". Desde setembro de 1998, uma população está sendo analisada por meio das 150 amostras coletadas por mês, que são congeladas, pesadas, medidas e classificadas em grupos de interesse, para serem mensuradas. 

Um maior conhecimento sobre a biologia dos caranguejos poderá ajudar os órgãos fiscalizadores a adotar critérios para regulamentar a pesca, de forma que não seja predatória. A delimitação exata da época reprodutiva, por exemplo, está sendo estabelecida pela análise do percentual de fêmeas ovadas nas amostras. 

Sabe-se que o uçá se reproduz na época quente do ano. Por enquanto, os pesquisadores encontraram fêmeas ovadas de novembro a março, com maior porcentagem em dezembro. Espera-se que, com os resultados finais do projeto, as leis de defesa sofram modificações.

Outra maneira de diminuir a pressão sobre a população de caranguejos seria a criação em cativeiro. Muita gente tem se interessado por isso. Porém, ainda há empecilhos que inviabilizam esse tipo de criação. Quando os ovos do caranguejo-uçá eclodem, as larvas seguem para o mar. À medida que se desenvolvem, vão voltando ao mangue. Em uma criação, a salinidade tem que ir se modificando de acordo com os estágios das larvas. Assim também acontece com a alimentação, específica para cada estágio larval. 

Acrescenta-se a isso a grande mortalidade natural das larvas, extremamente frágeis. Pesquisadores da Unesp conseguiram, em laboratório, passar por todos os estágios de larva em pequena escala. Mas uma criação comercial ainda não é viável. Há uma tradição caiçara de criar guaiamus, a outra espécie procurada pelos pescadores, em chiqueiros, alimentando-os de restos de comida. Porém, aí eles não procriam, só engordam.