4. Bocage: o poeta maldito, o pastor bucólico, o pré-romântico

Vida e obra 

Manuel Maria era o nome mais usado por seus amigos mais íntimos; Bocage era como foi apelidado pelo povo e na Nova Arcádia recebeu o pseudônimo pastoril de Elmano Sadino. O poeta quando tinha 10 anos perdeu sua mãe, quando fez 16 anos fugiu de casa e se alistou no Exército e depois na Marinha. Como tinha a vida boêmia, Bocage se entregou à vida com bebidas, teve fama de briguento, improvista e era apoiado pelas prostitutas, marinheiros, vagabundos e muitas outras pessoas de relevo cultural literário que iam com freqüência ao “Agulheiro dos Sábios”, botequim das Parras. Conhece uma mulher chama de que Gertrudes que foi inspiração em alguns poemas seu, sendo chamada de Gertrúria e mais tarde encontra-se casada com seu irmão. O poeta era bem aceito pelo lado mais “poderoso” da sociedade, vivia sempre à sua companhia em casas nobres. 

Tinha o espírito aventureiro e por isso vai para vários lugares, passando muitas dificuldades e vivendo com doenças, miséria e perseguições, por este motivo em muitos de seus poemas compara-se a Camões: 

Camões, grande Camões, quão semelhante

Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar coo sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurante,
Da penúria cruel no horror me vejo.
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas . . . oh, tristeza! . . .
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

Volta para Lisboa em 1790 e depois é recebido na Nova Arcádia, pois queria “restaurar” a Arcádia Lusitana que não estava em exercício desde 1776. O bom comportamento dos primeiros dias até que o Arcadismo se fixe, mas Bocage que não perdia a oportunidade de fazer uma sátira aproveitou que estava brigado com seus colegas escreveu assim: 

Aos sócios da Nova Arcádia 

Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas: 

Vós, néscios, que mamais da vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De engenhais as vossas maravilhas, 

Deixai Elmano, que inicente e honrado,
Nunca de vós se lembra, meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado. 

E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,
De perna erguida sobre vós mijando.
 

Quando o poeta ficou sabendo da agitação doutrinária do Iluminismo e da Revolução francesa, Bocage se interessou. Então Bocage acaba sendo preso porque conspirava contra a segurança do Estado, mas mesmo preso consegue fazer com que sua pena fosse reduzida, ou seja, fez com que tirassem a acusação de crime contra o Estado, para acusá-lo contra erros contra fé, é transferido para uma prisão no Mosteiro de São Bento e, depois, no hospício das necessidades, nesse período em que viveu um período de calma. 

Então saindo do convento, ficou livre de todos os “vícios”, começa a trabalhar como tradutor para se sustentar e sustentar sua irmã e sobrinha. Nessa época escreve um poema satírico “A Pena de Talião”, contra o Pe. José Agostinho de Macedo, as polêmicas se originaram de divergências sobre traduções de poemas de Vírgílio e de Ovídio, mas depois passou pelas ofensas pessoais. 

Pública o segundo volume das Rimas em 1799, ficou pobre e doente, reconciliou com todos aqueles que o ofendera e morre em 21 de dezembro de 1805. Antes de morrer lamenta “as desordens fatais da louca idade”: 

Já Bocage não sou!… À cova escura

Já Bocage não sou!… À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!… Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui… A santidade
Manchei!… Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Bocage – o poeta satírico e maldito 

A censura portuguesa foi bastante intensa quanto às obras de Bocage, que continham erotismo. Ocorre também em sua biografia esta discriminação, pois o apresentava como um poeta pecador arrependido, contrito e confesso no final da vida, reconciliado por Deus.
A poesia erótica de Bocage era bastante forte, tanto em palavras eróticas quanto em sentido poético, ou seja, o leitor era impactado pelo que lia, a poesia de Bocage era tida como algo que não “existisse”, “maldito”. 

A minha Amada 

Se tu visses, Josino, a minha amada,
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto,
Às mais formosas não inveja nada:

Na sua boca Vénus faz morada:
Nos olhos Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lascívia o seu encosto,
Nela enfim tudo encanta, tudo agrada:

Se a Ásia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!

Beleza mais completa haver não pode:
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!" 

Já a poesia satírica de Bocage era bastante elevado em termos vulgares, os que mais satirizava eram seus colegas da Nova Arcádia, ele colocava pseudônimo, satirizava também o absolutismo político e religioso, e prepotência da monarquia e do clero. Bocage mostra-se como um homem que participava das convenções, era machista e preconceituoso, mas usava uma linguagem grosseira que sempre divertia. 

Texto – “Epístola a Marília

A poesia “Epístola a Marilia” foi usada contra Bocage como uma prova, disseram que degradavam a segurança do estado e era contrária à fé católica.

                          I 

"Pavorosa ilusão da Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
Dalmas vãs sonho vão, chamado Inferno,
Sistema da política opressora
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos,
Forjou para boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arreigas
Nos ternos corações, e paz lhe arrancas;
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenenas delícias inocentes!

                       II 

Oh Deus, não opressor, não vingativo,
Não vibrando com a destra o raio ardente
Contra o suave instinto que nos deste;
Não carrancudo, ríspido, arrojando
Sobre os mortais a rígida sentença,
A punição cruel, que execede o crime,
Até na opinião do cego escravo,
Que te adora, te incensa, e crê que és duro!
Monstros de vis paixões, danados peitos
Regidos pelo sôfrego interesse
(Alto, impassivo númen!) te atribuem
A cólera, a vingança, os vícios todos
Negros enxames, que lhes fervem nalma! 

Bocage – o pastor bucólico

A poesia era presa aos modelos das convenções da Arcádia, que tinha como objetivo o louvor aos “poderosos”, também aos casamentos, natal, o “louvor” a alguém que morreu e elogio a algum morto ilustre. Bocage também escreve poesia bucólica, pastoril, com zéfiros, ninfas, pastores, prados, vales, montes, rouxinóis. 

Marília, se em teus olhos atentara

Marília, se em teus olhos atentara,
Do estelífero sólio reluzente,
Ao vil mundo outra vez o omnipotente,
O fulminante Júpiter baixara

Se o deus que assanha as Fúrias, te avistara
As mãos de neve, o colo transparente,
Suspirando por ti, do caos ardente
Surgira à luz do dia e te roubara.

Se a ver-te de mais perto do Sol descera,
No aúreo carro veloz dando-te assento,
Até da esquiva Dafne se esquecera.

E se a força igualasse o pensamento
Ó alma da minhalma, eu te ofrecera
Com ela a Terra, o Mar e o Firmamento.

Bocage – o poeta pré-romântico. 

A) Razão x Sentimento

A lírica de Bocage é dividido em duas etapas, a 1ª é marcado pelas regras do Arcadismo, a 2ª regra é marcada pelo sentimento agudo da personalidade, pela auto-análise que o faz retratar-se, gritar seu remorso, seu horror ao aniquilamento. Os poemas de Bocage de uma forma dramática têm ligação entre os poemas de Camões. 

Texto I – “Incultas produções da mocidade

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores.
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade e não louvores.

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores.

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência. 

Texto II – “Chorosos versos meus desentoados” 

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.

Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.